Nós, mulheres


Maria Avelina Fuhro Gastal

O título, “Nós, mulheres”, não é meu, apesar de eu já tê-lo usado em uma crônica em 2021, sem saber que já tinha dona. É do livro de Rosa Montero, publicado pela Todavia, em 2020.

Nele a autora narra histórias de mulheres, algumas conhecidas outras não, mostrando a complexidade da existência. Frida Kahlo, Simone de Beauvoir, Agatha Christie, Camille Claudel, repletas de contradições, lidando com mazelas e conflitos pessoais, e outras tantas que não fazem parte do saber comum, mas contribuíram para avanços nas Ciências, nas Artes, na Matemática, nas conquistas de territórios e são ignoradas pela historiografia.

No final do livro há noventa nomes de mulheres, desde AC até o século XX, acompanhados de uma espécie de verbete com os aspectos importantes da trajetória delas que até hoje influenciam nossas vidas. Eu não conhecia nenhuma, embora conhecesse as contribuições de muitas delas, apresentadas a nós como conquistas masculinas.

Podemos pensar que esse apagamento está superado e que, hoje, as mulheres já têm reconhecimento de sua capacidade. Será?

Há alguns anos, fiz o voo mais tenso da minha vida. O percurso era curto, Porto Alegre-Curitiba, o céu limpo, nenhum vento ou tempestade, sem turbulência. Minha agonia tinha nome, Comandante Patrícia. Duvidei que ela fosse capaz de controlar aquele monstro enorme de metal, repleto de engrenagens e comandos sofisticados, voando pelos céus, sem nenhum homem que pudesse auxiliá-la em caso de emergência, toda a tripulação era feminina.

Já duvidei de mim mesma. Recusei convites para cargos por temer não ter força para me impor frente a tantos homens. Vi homens com menos capacidade técnica do que eu aceitarem os cargos, sem pudor.

Votamos, trabalhamos, sustentamos filhos, dirigimos, organizamos as finanças, enfrentamos uma sociedade machista e, mesmo assim, trazemos a dúvida de nossas possibilidades.

As formas de nos diminuir, ou de ignorar nossas habilidades, mudaram, mas continuam minando nossa potência. Toda vez que enaltecem nossas qualidades, reduzem-nas à ternura, sensibilidade, capacidade de ouvir, de ponderar, de contemporizar, de acolher. Fazem de nós pacotinhos de bondades, amarrados com laços cor de rosa.

Negar nossa complexidade, não enxergar além dos estereótipos, não reconhecer nossa força, ignorar nossa agressividade e fúria, tratando-as como chiliques ou TPM, esvaziar-nos de sentimentos ambivalentes e, não reconhecer, até mesmo, perversidades em nós, sem rotular-nos de bruxas ou histéricas, é uma forma atual e potente de apagar a força de nossas histórias.

Somos mais do que seios, bunda, sorrisos matreiros ou colos aconchegantes. Somos complexas, inacabadas, contraditórias. Somos humanas com tantas imperfeições quanto os homens possuem. As deles são reconhecidas, aceitas, justificadas, superadas. As nossas, ignoradas, rotuladas, condenadas.

Podemos governar, legislar, julgar, acusar, defender, pilotar, projetar, construir, tratar, curar, matar, odiar, trair, ensinar, descobrir, inventar, não porque somos queridas ou loucas, mas porque somos pessoas.

Podemos qualquer coisa. Podemos tudo. Podemos acreditar mais em nós mesmas e menos nas mentiras que vêm sendo contadas pelos homens ao longo dos séculos. Acreditar no algoz nos faz prisioneiras e carrascas de quem se atreve a duvidar.


Deixe um recado para a autora

voltar

Maria Avelina Fuhro Gastal

E-mail: avelinagastal@hotmail.com

Clique aqui para seguir esta escritora


Pageviews desde agosto de 2020: 254657

Site desenvolvido pela Editora Metamorfose