Pijamas listrados


Maria Avelina Fuhro Gastal

Há muitos anos li O menino do pijama listrado, de John Boyne, e assisti ao filme. Como todas as obras que tratam do Holocausto, terminei me perguntando como tudo aquilo foi possível. Pensava em estar questionando um fato histórico, distante de nós há quase sete décadas.

Tendemos a nos pensar como uma sociedade mais evoluída e vamos ignorando as mazelas que, não se repetem, mas se perpetuam entre nós. Criticamos o passado, mas não o enfrentamos. Mascaramos a história, jogamos para baixo do tapete a escravidão, a tortura, as políticas de exclusão social.

Sem enfrentarmos os monstros, eles proliferam. Chegam ao poder com discurso de ódio, apoiado pelo voto popular. Tal qual o fascismo e o nazismo, as estruturas violentas do poder encontram respaldo na vontade da sociedade.

Os pijamas listrados no Brasil são a cor da pele, a classe social, a orientação sexual, a etnia, a opção ideológica. Extermina-se os diferentes daquilo construído como cidadãos de bem, entendidos como homens brancos, com poder aquisitivo, heteronormativos, ainda que na vida privada não ajam de acordo com o que pregam.

Mais do que calar, a sociedade apoia:

como explicar a execução de Genivaldo pela PRF, a luz do dia, frente a várias pessoas, usando uma viatura como câmara de gás, e os assassinos terem seus nomes preservados pela instituição da qual fazem parte? O crime dele foi estar sem capacete, tal qual vários participantes das motociatas promovidas pelo perverso-mor, também sem capacete.

uma ação policial, dia 24 de maio, no conjunto de favelas da Penha, no Rio de Janeiro, terminou com a morte de vinte e quatro pessoas tidas como suspeitas de envolvimento com o tráfico de drogas. O perverso no poder parabenizou as forças policiais pelo resultado. Sem julgamento, todos condenados e executados. E os traficantes que ocupam as regiões ricas das nossas cidades seguem abastecendo seus clientes sem serem incomodados.

Daniel Silveira, condenado a oito anos e nove meses de reclusão, em regime inicial fechado, por crimes de ameaças contra o Estado Democrático de Direito e coação no curso do processo, foi perdoado pelo presidente como forma de “dar exemplo” ao STF. Aquele que enalteceu o maior torturador do Brasil na sessão de votação do impeachment de Dilma Rousseff, reafirma sua posição de desrespeito às instituições republicanas e, consequentemente, aos nossos direitos como cidadãos.

Tantos outros fatos poderiam ser listados. Tantas mortes poderiam ser contabilizadas na responsabilidade de um governo omisso na pandemia e incentivador da violência no cotidiano.

Os fatos não são isolados. Eles cumprem o prometido em campanha e anunciam o projeto de sociedade em construção, atacando e destruindo princípios básicos de humanidade.

Vivemos sob ameaça. E ela tem o apoio de muitos, seja pela concordância ou pela omissão. Se você não fizer uma escolha clara contra tudo isso que vivemos ao votar em outubro, já no primeiro turno, não venha se perguntar depois como foi possível chegarmos, de novo, a um ponto tão triste da nossa história.

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Maria Avelina Fuhro Gastal

E-mail: avelinagastal@hotmail.com

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